Consumo de drogas patrocina atrocidades

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Qual o problema de comprar um produto genérico? Afinal, se o original é muito caro, não há nada de errado em levar para casa aquela cópia do último modelo daquele tênis “irado” ou daquela finíssima bolsa de grife, correto?

Para a analista política americana-venezuelana Vanessa Neumann, não há nada de correto na compra de um produto falsificado, seja nas barracas de lonas de Ciudad del Este, no Paraguai, nos estandes de eletrônicos do shopping MBK, em Bangkok, na Tailândia, ou na tumultuada Rua 25 de Março, em São Paulo.

Vanessa é especialista na análise de crimes transnacionais e dedicou anos ao estudo das interações entre crime, Estado e os impactos sobre a sociedade, democracia e liberdade. Quando trabalhou como consultora da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), ela chegou à conclusão de que, ingenuamente, a maioria dos consumidores ao redor do planeta colaboram com o terrorismo e com o crime organizado. O mesmo vale para os consumidores de drogas: quando alguém adquire uma porção de maconha ou cocaína, está financiado essas mesmas organizações.

Vanessa Neumann mostra em seu livro a relação entre crimes comuns e o terrorismo internacional (Divulgação)

Assumindo o desafio de alertar a população sobre isso, mas sem adotar um tom alarmista, Neumann escreveu Blood Profits (Lucros de Sangue, em tradução livre, ainda sem edição em português). No livro, ela conta sua experiência investigando as redes criminosas globais e como elas se alimentam do comércio aparentemente ingênuo das falsificações. E mostra ainda como o narcotráfico está por trás do financiamento dos atentados recentes do grupo Estado Islâmico na Europa.

Para Neumann o desafio é fazer as mesmas pessoas que se revoltam com um atentado como aquele perpetrado contra a redação do jornal Charlie Hebdo, em Paris, ou em Manchester, na Inglaterra, pararem de comprar cigarro de maconha ou cocaína. “Elas precisam saber que essas células do Estado Islâmico se bancaram pelo tráfico de drogas”, disse ela em uma entrevista à revista Veja. “Não se trata de ser moralista, mas muitas pessoas que elogiaram o livro e se disseram chocadas com o que está ali seguem comprando drogas”, alerta.

O mesmo raciocínio se aplica ao caso colombiano, onde mais de 260.000 pessoas foram mortas em meio século de guerrilha. Para manter ativo cada guerrilheiro, as Farc necessitavam entre 6.000 dólares e 12.000 dólares anuais – dinheiro que, segundo Vanessa, vinha, em grande parte, do tráfico. Nascida na Venezuela, a autora faz uma análise de como o narcotráfico penetrou na estrutura política de seu país e como o dinheiro sujo da atividade contaminou a política.

Em Blood Profits, Vanessa não apresenta uma solução para a questão porque, segundo ela, o objetivo é começar a mostrar às pessoas que elas estão “ingenuamente patrocinando o terrorismo e máfias muito perigosas em nome de uma boa pechincha”, diz. Segundo a Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o mercado de produtos ilegais movimenta mais de 13 bilhões de reais ao ano, conforme um estudo de 2015. Somente os cigarros contrabandeados do Paraguai seriam responsáveis por um fluxo de 4,2 bilhões de reais. “As pessoas precisam mudar de comportamento e isso terá de ser uma atitude de pressão social, como agora está ocorrendo com a questão do assédio sexual”, disse Neumann à Veja.

 

Fonte: revista Veja