Drogas, psicose e mutilação

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Tudo começou com maconha.

Kaylee Muthart, 20 anos, da Carolina do Sul (EUA), recebeu de seus colegas de trabalho um cigarro da erva. Ela sentiu uma sensação que nunca tinha experimentado antes. Então deixou seu trabalho e colegas para trás. Ficou desempregada por mais um mês até conseguir outro emprego, onde outro colega a pressionou a tentar metanfetamina pela primeira vez. E ela cedeu.

Embora tivesse parado por um breve período de tempo, Muthart retornou à metanfetamina quando começou a se sentir isolada e solitária após o término de um namoro. Poucos dias antes de entrar em uma clínica de reabilitação, ela usou a droga e teve uma alucinação que distorceu sua percepção de seu relacionamento com Deus.

Quando Muthart se aproximou da igreja procurando alguém conhecido, sentiu que o tempo estava se esgotando para “salvar o mundo” – e fez seu sacrifício: “Eu comecei a puxar meus olhos com as minhas próprias mãos e os torci, e os puxei, e os estiquei”, disse ela.

A psicose – um distúrbio mental no qual a mente está tão debilitada que perde o contato com a realidade – é experimentada por cerca de 40% dos usuários de metanfetamina, diz um estudo do Centro Nacional de Informações sobre Biotecnologia dos EUA.

Uma vez que a metanfetamina entra na corrente sanguínea – seja engolida, defumada, injetada ou aspirada – ela aumenta os níveis do neurotransmissor dopamina, no cérebro. Comumente conhecida por sua associação com prazer e recompensa, a dopamina está envolvida em uma série de funções no corpo, da motivação ao movimento.

Como a metanina libera altos níveis de dopamina, que podem durar de oito a 12 horas, ela se torna altamente viciante e muitos usuários recorrem continuamente à droga.

Sob o efeito de um estimulante como metanfetamina, o cérebro não pode reciclar a dopamina que libera. Em vez de o produto químico ser bombeado para fora das sinapses cerebrais, uma grande quantidade do neurotransmissor se acumula por horas a fio, fazendo com que os neurônios disparem extraordinariamente mais do que deveriam – o que, por sua vez, cria a experiência eufórica.

Isso afeta o centro de julgamento do cérebro associado à decisões de risco. Em um estado de psicose, essa incapacidade de racionalizar pode ter consequências perigosas, assim como experimentar perturbações em outros sentidos, levando o usuário a cheirar, sentir ou saborear coisas que não se alinham com a realidade.

A mãe de Muthart disse em entrevista que enquanto Kaylee alucinava, suas capacidades auditivas foram afetadas, o que a levou a ouvir coisas que não estavam lá, como a ordem de tirar seus próprios olhos para chegar ao céu. Seus sentidos visuais também foram distorcidos, quando ela viu “o mundo de cabeça para baixo e escuro”, junto com uma coleção de pássaros coloridos que a rodeavam.

A mãe disse ainda que tentou convencer sua filha a ir para a reabilitação poucos dias antes do incidente e que se sente arrependida por ter chegado ‘tarde demais’. Para os especialistas em dependência química, porém, isso não é incomum para famílias dos adictos.

Como os jovens costumam achar normal usar drogas, a psicóloga Rosely Sayão aponta ser essencial mantê-los informados sobre as drogas em geral. Ela indica o livro Mas que droga é essa?, de Aidan Macfarlane, Magnus Macfarlane e Philip Robson, como uma boa fonte de informações sobre o assunto.  Para ela, assistir a filmes em que há uso de drogas e perguntar o que o filho acha sobre aquilo é também uma boa maneira de conversar sobre o tema.

Rosely lembra que a política da repressão, assim como perguntar diretamente aos filhos, não funciona, e traz como alternativa a política de redução de danos. “É uma maneira de ensinar quem usa drogas, seja elas licitas, ilícitas ou medicamentais, a diminuir os efeitos nocivos”, diz ela.

Kaylee Muthart, antes e depois

Hoje, com a ajuda de sua mãe, Kaylee Muthart está trabalhando suas experiências daquele fatídico dia em que arrancou seus olhos, tentando reconectar sua fé. Além disso, ela também está aprendendo a viver sem visão.

A jovem voltará brevemente para a reabilitação por mais quatro semanas. Enquanto isso, ela tem se mantido ocupada servindo como oradora pública da  Comissão para os Cegos de sua cidade.

Acima de tudo, porém, Muthart quer compartilhar sua história para que outros jovens conheçam os perigos das drogas pesadas.  “Eu prefiro ser cega e ser eu mesma, do que ser Kaylee com drogas, e eu realmente digo isso com o meu coração”, diz ela. “Eu sou Kaylee Jean Muthart, assim como eu era 10 anos atrás. Apenas melhor”.

 

Fonte: Revista People