O aplicativo da droga

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Em uma operação que se assemelha a uma típica transação comercial internacional, anualmente cerca de 40 toneladas do total de heroína que entra na Europa passam muito provavelmente por Moçambique.

Especialistas acreditam que a droga ocupa o posto de segundo maior item em valor exportado pelo país africano.

Detalhe importante: Moçambique não produz heroína e os níveis de consumo da droga são baixíssimos no país.

“O contrabando de heroína em Moçambique se assemelha ao comércio de outra mercadoria qualquer – a droga é apenas mais um produto sendo movimentado pelo país sob a coordenação de organizações internacionais”. A afirmação é do pesquisador Joseph Hanion, professor visitante da London School of Economics, editor do Mozambique Political Process Bulletin e especialista no tema.

Ele explica que a movimentação da heroína através do território moçambicano ganhou força com a ampliação da rede de telefones celulares no país africano, permitindo aos traficantes usarem o WhatsApp para burlar o controle da polícia, que intensificou o controle nas rotas tradicionais.

Ainda que mais longo, os traficantes vêm constantemente buscando caminhos alternativos para levar a droga até o lucrativo mercado europeu. Assim, desde sua origem no Afeganistão, a heroína é transferida para o sul do Paquistão. Ali, a droga é carregada em barcos motorizados típicos, conhecidos como dhow, que seguem pelo oceano Índico até o litoral norte de Moçambique transportando uma carga de até uma tonelada de heroína – e como os especialistas estimam que até 40 viagens sejam feitas a cada ano pelos dhows, isso significa que transitam por Moçambique, anualmente, cerca de 40 toneladas de heroína.

Ao alcançar as águas moçambicanas, um enorme contingente de trabalhadores são recrutados pela operação do tráfico internamente em Moçambique por meio de mensagens de WhatsApp, aplicativo que permite a comunicação através de mensagens protegidas por códigos. São donos de pequenas embarcações, motoristas de caminhões e centenas de outros acionados por telefones celulares para escoamento da droga desde o recebimento do exterior até o repasse para a Europa por via marítima ou rodoviária.

Hanion conta que os dohws ficam ancorados ao largo da costa e o transporte da droga até terra firme é feito por pequenas embarcações. Da praia, a heroína é transferida para galpões onde é carregada em caminhões que seguem por terra numa viagem de 3 mil km até Joanesburgo, na África do Sul, onde os traficantes escondem a droga em contêineres de exportação de diferentes produtos que seguirão por navio para países europeus.

Outra tática é enviar grande parte da heroína diretamente aos portos moçambicanos de Beira e Nakala, onde os fiscais alfandegários são instruídos a não vistoriar os contêineres de certas empresas para que a droga não seja descoberta antes do embarque para a Europa.

Além do recrutamento de trabalhadores avulsos, o uso do WhatsApp permite aos traficantes ordenarem a compra de 100 quilos de heroína que será enviada a um distribuidor em qualquer parte do mundo. Por sua vez, usando o mesmo aplicativo,  o distribuidor reúne várias ordens que vão compor a carga de uma tonelada que será transportada por um dohw, se encarrega de acertar com contatos locais a coleta da droga em Moçambique e a transferência para os armazéns, onde a carga será separada de acordo com cada ordem de compra individual que, por sua vez, vai seguir viagem até Joanesburgo, de onde será transportada para seu destino final em cidades europeias ou enviada de Moçambique diretamente ao comprador na Europa.

 

Fonte: G1