Maconha: fatores de risco na visão científica

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Ilegal no Brasil, nos Estados Unidos a maconha é permitida em 25 estados, para fins recreativos ou medicinais. Apesar do crescente número de usuários, muitos cientistas consideravam que as evidências de vício por parte da maconha ainda eram escassas.

Já no século 19, o psiquiatra francês Moureau descrevia o “delirium” (ou loucura propriamente dita), como sintoma desencadeado pelo uso agudo da maconha. Com o passar do tempo, outros estudos foram confirmando as impressões de Moureau. Observou-se que a maconha desencadeava agudamente sintomas de quebra com a realidade, ou sintomas psicóticos. Ouvir vozes estranhas (alucinações), sentir-se perseguido sem motivo real (delírio persecutório), estranheza em relação a como a pessoa vê a si mesma (despersonalização) e o mundo (desrealização) são alguns dos sintomas que poderiam surgir logo após o uso da droga. Todos estes sintomas pareciam estar ligados à intoxicação com a droga, mas que cessariam poucas horas ou dias logo a seguir do uso agudo.

Portanto, via-se a maconha como uma droga de potencial nocivo menor, capaz de induzir sintomas logo após seu uso, mas incapaz de prejudicar seriamente ou de desencadear doenças e transtornos psiquiátricos graves. Com o tempo, questionou-se se estes sintomas desencadeados pela maconha ficariam presentes só poucas horas ou dias após o uso de droga, ou se os sintomas poderiam persistir a longo prazo.

Entretanto, uma pesquisa financiada pelo Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas e publicado na revista Human Brain Mapping, garante ter chegado ao final dessa questão. Segundo os especialistas, a Cannabis sativa, a longo prazo, perturba determinados circuitos cerebrais, conhecidos como sistema de recompensa mesocorticolímbico, desencadeando desejos e dependências. Esse sistema controla outra região do cérebro que libera a dopamina – a substância química associada ao prazer. O estudo, que reuniu 59 adultos usuários e um grupo de 70 pessoas que não faziam uso da droga, através de exames de ressonância cerebral mostrou que esta parte do cérebro ‘acendeu-se’ quando pessoas olhavam para imagens da droga ou itens associados. Segundo os pesquisadores, essa ideia marca a diferença entre usuários ocasionais e dependentes.

Os pesquisadores descobriram que, em média, as pessoas que usaram maconha tinham feito isso por pelo menos 12 anos e que a perturbação do sistema de recompensa se correlaciona com o número de problemas, como questões familiares, que os indivíduos têm por causa do uso de maconha.

Para a pesquisadora dra. Francesca Filbey, da Escola de Ciência e Comportamento do Cérebro, da Universidade do Texas, em Dallas (EUA), “o uso contínuo, apesar desses problemas, é um indicador de dependência”.

O risco de se desenvolver dependência em quem experimenta maconha é de cerca de 9%. Contudo para a adolescência os números mudam: de cada 6 adolescentes que fumam maconha, um se torna dependente. Além disso, o uso de maconha aumenta o risco de usar outras drogas, podendo ser considerada “porta de entrada” para outras drogas.

Isso fica mais claro diante dos resultados de um estudo feito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrando que universitários que fumam maconha têm mais dificuldade em ser aprovados em todas as disciplinas do que os outros estudantes.

Segundo a tese do economista e professor Álvaro Alberto Ferreira Mendes Junior, 66,1% dos não usuários passaram direto em todas as matérias. Este número cai para 50,7% entre aqueles que fumam maconha.

Os dados ser basearam em entrevistas feitas com 12.711 estudantes de 100 universidades públicas e privadas. A pesquisa também usa estudos feitos pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça.

O estudo mostra ainda que a demanda pelo consumo da maconha é maior entre os universitários de alta renda. Segundo Álvaro, alunos que pertencem às classes A e B têm 120% mais chances de consumir a droga. Porém, 10% dos estudantes de baixa renda apresentam alto risco de dependência. Este número cai para 3,1% entre os universitários de classe alta. “Isso pode ser explicado pela maior vulnerabilidade social”, disse o professor que, para chegar a estes dados, utilizou informações sobre as classes sociais dos estudantes através do Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB), realizada pela Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa (ABEP).

Os déficits cognitivos e o desencadeamento da esquizofrenia associados ao uso da maconha podem ser explicados por alterações em regiões cerebrais associadas com esquizofrenia e memória como hipocampo e amígdala. De fato, o uso de maconha se associou a diminuição destas regiões cerebrais mesmo em usuários adultos.

Para Rafael Augusto Teixeira de Sousa, médico psiquiatra, PhD, Preceptor da Residência em Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, Pós Doutor pelo National Institutes of Health (EUA), tendo em vista a relevância dos efeitos da maconha, como diminuição de até 8 pontos de QI e aumento de risco de depressão e esquizofrenia, e os altos custos financeiros e sociais daí decorrentes, faz-se necessário um esforço sério para que as novas informações científicas cheguem ao público leigo.

Os dados apresentados acima apontam para um potencial especialmente nocivo da maconha em relação ao álcool e às outras drogas, especialmente quando se comparam os efeitos mentais do uso durante a adolescência. Um debate baseado em dados científicos sólidos tem sido a proposta da Associação Brasileira de Psiquiatria, que recentemente se posicionou contrária à legalização da maconha no Brasil.

 

Fontes: Ac24horas e jornal O São Paulo