A ciência enfrenta o alcoolismo

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Duas pesquisas científicas podem transformar a relação da humanidade com a bebida alcoólica.

A primeira vem da Universidade da Califórnia, onde pesquisadores criaram uma versão artificial de duas enzimas, a álcool oxidase e a catalase.

Produzidas naturalmente pelo organismo, elas agem lentamente durante a ingestão de bebida alcoólica, fazendo com que o álcool se acumule no sangue da pessoa, deixando-a bêbada. Em média, o corpo metaboliza apenas uma dose de bebida por hora.

Ao criar a versão artificial da álcool oxidase e da catalase, idênticas às produzidas pelo próprio corpo, os cientistas testaram o resultado em ratos alcoolizados. De fato, uma hora e meia depois, a quantidade de álcool no sangue deles havia caído 31,8%. Segundo eles, se a bebedeira tivesse sido menor, a redução seria ainda maior, chegando à eliminação completa do álcool.

De acordo com o engenheiro químico Yunfeng Lu, líder do estudo, como não existem efeitos colaterais, o teste já pode ser aplicado nas pessoas. Para isso, ele e sua equipe estão desenvolvendo uma nova versão da enzima que todos poderão usar. Ainda segundo Lu, as enzimas têm baixo custo e poderão começar a ser produzidas em poucos anos.

O abuso do álcool leva o fígado a ficar inflamado e processar mal as gorduras, processo que pode acabar em cirrose hepática. A medicina ainda não sabe, exatamente, como a doença hepática alcoólica se desenvolve. Uma das teorias era que de que o excesso de bebida levava a uma queda nos níveis do antioxidante glutationa (GHS). Conforme a GHS no fígado diminuía, radicais livres eram produzidos em excesso (o que é chamado de estresse oxidativo) e o fígado saía prejudicado.

Este foi o foco da segunda pesquisa, esta realizada por cientistas japoneses e americanos, que também fizeram um experimento com ratinhos geneticamente modificados. A manipulação do DNA levava os animais a produzirem só 15% da GHS encontrada no fígado de um rato normal. Depois, esses ratos passaram seis semanas consumindo álcool todos os dias e, como era de se esperar, o estresse oxidativo aumentou.

Entretanto, para a surpresa dos cientistas, ele passou a exercer um efeito protetor em vez de piorar as condições de saúde das cobaias, pois os que tinham GHS baixa apresentaram fígados mais resistentes à acumulação de gorduras – um processo chamado de esteatose, que é um dos principais sintomas da doença causada pelo álcool.

Os resultados da pesquisa mostraram uma ligação da GHS reduzida com a ativação da enzima AMPK, que ajuda a regular os gastos de energia (e a queima de gordura) do organismo. E, assim, os cientistas querem entender mais sobre a relação entre GHS, estresse oxidativo e gordura no fígado para criar medicamentos capazes de tratar a doença hepática alcoólica e tentar diminuir os casos de cirrose e de morte causada pelo alcoolismo.

Então a turma da Happy Hour já pode brindar à vontade?

Claro que, primeiro, as pesquisas precisam se converter em realidade cotidiana. E nenhuma das duas tem previsão para isso.

Além do mais, não podemos esquecer que consumo prolongado de bebida alcoólica afeta praticamente todos os órgãos do corpo humano, provocando desde gastrite e pancreatite, até infertilidade e câncer, passando pelo infarto ou trombose, pelagra (falta de vitamina B3), demência de Wernicke-Korsakoff, baixa imunidade, osteoporose e polineuropatia (doença dos nervos que saem da medula).

Tim-tim?

Além desta lista de doenças, para os especialistas em reabilitação, toda vez que uma nova medicação é anunciada para curar este ou aquele vício ou revolucionar a forma como a dependência é tratada, é preciso muita cautela.

Isso porque quando o adicto fica sabendo de uma medicação como essa, logo acredita ter encontrado a solução: uma pílula mágica que elimina os desejos, afinal, é muito mais fácil do que ir às reuniões de terapia, fazer tratamento, etc.

Toda e qualquer dependência é contagiante de tal forma que altera completamente muitas áreas diferentes da vida do adicto. E ele simplesmente não pode reconstruir a vida e consertar seus problemas apenas tomando uma pílula todos os dias.

Para estes especialistas, o único atalho para uma nova vida em recuperação é reconstruir meticulosamente a própria vida, na sobriedade, um dia de cada vez. Eles acreditam que a ciência deve continuar desenvolvendo novos medicamentos que possam ajudar na luta contra a dependência de qualquer droga, mas sem apresentá-los como se eles fossem também reconstruir a vida do adicto.

 

Fonte: Superinteressante