Prisão química: leis sobre drogas no Brasil

Tempo de leitura: 4 minutos

Nas últimas semanas o Fantástico (programa dominical da Rede Globo) trouxe a série Prisão Química, onde apresentaram o processo de internação de pacientes com a participação do médico Dr. Dráuzio Varella e do comentarista esportivo Casagrande, que, dependente de cocaína, já foi internado algumas vezes.

É sobre as questões apresentadas na série que o psicólogo Marcelo Parazzi, especialista em dependência química, se encontrou com o advogado André Tolentino, consultor jurídico em assuntos sobre drogas para uma entrevista, cujo resultado você confere abaixo:

Marcelo Parazzi (MP): Doutor, como a lei encara hoje o usuário de drogas?

André Tolentino (AT): Durante muitos anos nosso país adotou a política de guerra às drogas, o que se mostrou no mínimo ineficaz, pois trata o dependente químico como criminoso. Hoje nossa legislação se modernizou e vem tentando aplicar o modelo restaurativo, onde trata o dependente como doente e traz penas graves ao traficante.

 

MP: Então o dependente químico já não vai preso quando é flagrado fazendo uso?

AT: Não, hoje a lei de drogas não traz mais pena de prisão ao usuário. Porém, sabemos que muitos dependentes acabam migrando ao tráfico para ter contato com as drogas.

 

MP: Sim, já tivemos dois casos assim na Fazenda Bela Vista – Clínica Terapêutica. E neste caso, o dependente responde por tráfico de drogas?

AT: No caso do dependente químico preso por tráfico, temos de averiguar qual o grau de comprometimento cognitivo do paciente e se ele estava em pleno domínio de suas funções na ocasião do crime. Nesses casos que o doutor citou ambos foram absolvidos dos delitos mas tiveram de se comprometer a prosseguir com o tratamento.

 

MP: Então o usuário ainda comete crime, mas não vai preso, é isso?

AT: Sim, é isso. Em caso de flagrante ele pode ser conduzido à Delegacia e lavrado Termo Circunstanciado, mas não há previsão de crime de prisão. A lei de drogas (11.343/06) prevê penas de advertência, prestação de serviços à comunidade e comparecimento a programa ou curso educativo.

 

MP: Nesta série do Fantástico foi muito falado a respeito da internação involuntária, a lei autoriza essa modalidade?

AT: Sim, o Casagrande se submeteu a internação involuntária, ou seja, ele não queria receber o tratamento. Em casos graves, onde o doente coloca em risco sua vida ou a vida de terceiros e não é possível o tratamento sem internação, existe sim a possibilidade, onde é necessário o consentimento de um familiar e também o laudo médico indicando a modalidade involuntária.

 

MP: Foi o que aconteceu com o Casagrande?

AT: Sim, no caso dele a internação se deu com o pedido do seu filho.

 

MP: Como você vê o tratamento para dependentes químicos hoje no Brasil?

AT: Muito desigual, doutor. Hoje encontramos hospitais públicos lotados, sem o menor preparo para atender esse tipo de patologia e, por sua vez, temos comunidades terapêuticas com denúncias graves de violações aos direitos humanos e clínicas de ótima qualidade a preços altos, deixando gritante parte da população brasileira jogada nas pelas ruas e cracolândias.

 

MP: Descriminalizar o uso pode ser uma solução?

AT: Olha, devido ao tamanho e desigualdade brasileira eu ainda esperaria um pouco dos exemplos internacionais para analisar um modelo ou outro, mas penso que não, visto que drogas como o álcool e o tabaco são legais e apresentam-se como um grande problema. Penso que esta é uma questão que não vamos resolver mudando leis, mas investindo na inteligência da polícia para dificultar o acesso às drogas, investir maciçamente no acesso à cultura e lazer, treinar habilidades de jovens e sobre como lidar com as ansiedades, frustrações e as complexidades desse século.

 

MP: Na sua opinião, a internação involuntária funciona?

AT: Como vimos na série do Fantástico, ela funciona, mas não é a única forma de tratamento. É preciso sempre trabalhar com tratamentos individualizados que levem em consideração as particularidades do paciente e que as famílias busquem ajuda o mais rápido possível, para que tenham sucesso com tratamentos menos invasivos, como em consultórios ou com a internação voluntária.

 

 

Fonte: Marcelo Parazzi – publicado sob autorização do autor.