Atitudes diferentes, estratégias semelhantes

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Ciudad Constitución foi fundada pelo governo peruano no início dos anos 80 para ser a capital da região amazônica do país.

Ali, as pistas de pouso clandestinas fazem parte de uma “ponte aérea”, com pequenos aviões vindos da Bolívia carregados com pasta de cocaína ou cocaína refinada destinadas ao Brasil, de onde a droga será despachada para a Europa.

A parada em Ciudad Constitución é para reabastecer a aeronave – cada uma pode transportar até 300 quilos de cocaína, no valor de US$ 350 mil. Assim, a cidade que deveria ser a capital da região amazônica peruana, tornou-se a capital da guerra contra as drogas.

Essa guerra é composta por uma dupla improvável: Peru e Bolívia.

Isso porque enquanto o Peru é um parceiro dos EUA, país do qual recebe US$ 120 milhões por ano para combater o narcotráfico, o presidente da Bolívia, Evo Morales, já liderou um sindicato de produtores de coca e, em 2008, expulsou do país a DEA, a agência estadunidense antidrogas.

Além disso, os dois países que cooperam para interromper a ponte aérea do tráfico permitem algum cultivo de coca que, para eles, que tem uso ancestral e medicinal.

Como já mostramos neste artigo, o Governo da Bolívia legalizou o cultivo de 22.000 hectares de folha de coca, dos quais pretende industrializar pelo menos 7.000 para aproveitar as qualidades medicinais e nutricionais da planta. Por conta disso, os EUA revogaram a certificação do programa antidrogas boliviano e sustentam que o país, assim como a Venezuela, “fracassou de forma comprovada” em implementar as políticas de controle de drogas internacionais e americanas.

Acontece que a maior parte da cocaína confiscada na Bolívia vem do Peru, porque ele é o maior produtor da droga, que cresce o suficiente para produzir 410 toneladas/ano, enquanto o potencial da Bolívia é de 275 toneladas.

Mas a dupla improvável ainda não conquistou nenhuma vitória. Enquanto no Peru os contrabandistas refazem as pistas de pouso logo depois que a polícia as dinamita, a Bolívia tem mais aeronaves e pistas de pouso, em parte porque os “táxis aéreos” são usados como transporte em áreas florestais – somente no primeiro semestre deste ano, a polícia antidrogas da Bolívia identificou centenas de voos. Mas, no mesmo período, foram apreendidas apenas dez toneladas de produtos à base da droga.

Além de ter que policiar a fronteira de 1.000 km da Bolívia com o Peru, assim como seus 3.300 km de fronteira com o Brasil, a polícia antidrogas boliviana precisa enfrentar a inventividade dos contrabandistas. Por isso, além de pedir mais recursos, os chefes de agência dos dois países querem autorização para abater voos suspeitos.

Em 2014, a Bolívia aprovou uma lei permitindo a interdição aérea. No ano seguinte, o Peru aprovou lei semelhante. Porém, desde 2001, quando o Peru derrubou um avião que transportava missionários americanos por engano, os EUA têm se oposto às leis sobre o abate, que também violam a lei internacional.

A alternativa, então, seria fortalecer a cooperação entre Peru e Bolívia. Mas o primeiro não compartilha dados de inteligência, enquanto o segundo é visto como inimigo pelos EUA, desmotivando o trabalho em equipe.

Os traficantes agradecem.

 

Fonte: The Economist via Estadão