Aumenta o uso de drogas para ‘turbinar o cérebro’

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Tradicionalmente indicados para o tratamento de narcolepsia (distúrbio do sono) e de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a venda de Ritalina e Concerta, medicamentos do gênero tarja preta, explodiu nos últimos anos, pois têm sido utilizados por estudantes, com ou sem prescrição, para “turbinar o cérebro” e, com isso, melhorar o desempenho escolar e acadêmico.

O Brasil é o segundo do mundo da Ritalina, atrás apenas dos EUA, de acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Dados do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) apontam que, em dez anos, o consumo de metilfenidato – substância ativa dos dois medicamentos – cresceu 775%. O montante da substância, seja importada ou produzida no País, passou de 122 kg em 2003 para 578 kg em 2012, crescimento de 373%.

Os números de uso são muito altos, mas pouco se sabe sobre o perfil de pessoas que tomam o medicamento, nem quantas usam a substância com o intuito de turbinar o cérebro.

Um estudo realizado em 2014 na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) mostrou que a Ritalina não promove melhora cognitiva em pessoas saudáveis. O estudo foi feito com 36 jovens (entre 18 e 30 anos) divididos em quatro grupos: um parte tomou placebo e os outros três doses únicas de 10 mg, 20 mg ou 40 mg da medicação. Depois de tomarem os comprimidos, os participantes fizeram testes de atenção e memória. Os quatro grupos tiveram desempenho semelhantes.

Recentemente, outro estudo, liderado pela psicóloga Larissa Maier, da Universidade da Califórnia em São Francisco, baseou-se no GDS (“Global Drug Survey”, um questionário online sobre uso de drogas, respondido de forma anônima e disponível em 10 idiomas) para analisar o aumento do uso de drogas para “aprimoramento cognitivo farmacológico” (em inglês, PCE, ou “pharmacological cognitive enhancement”).

Citado pela revista Nature e publicado no The International Journal of Drug Policy em junho deste ano, a pesquisa analisou informações coletadas em dois momentos distintos, em 2015 e 2017, e mais de 100 mil participantes em 15 países. Este é o maior estudo já conduzido sobre o uso de substâncias por indivíduos saudáveis para “turbinar” o cérebro. E registrou aumento do uso não terapêutico de substâncias para melhorar a memória ou a concentração em todos os países analisados, entre eles o Brasil.

Em 2015, os participantes responderam se já haviam usado algum medicamento de uso controlado ou ilegal para aumentar o desempenho no trabalho ou nos estudos nos últimos 12 meses. Em caso positivo, assinalavam qual substância usaram (metilfenidato, modafinil, dexanfetamina, cocaína, anfetamina ou metanfetamina ilegais) e quando a usaram.

Já em 2017 o GDS foi ligeiramente mais rápido de se completar. Teve como objetivo avaliar o uso de todas essas substâncias, mais uma nova categoria, a de “sedativos”, que incluía álcool, betabloqueadores, benzodiazepínicos e maconha. A adição da categoria foi considerada necessária pela pesquisa porque o resultado anterior revelou que estudantes e trabalhadores afirmaram usar substâncias sedativas para melhorar o sono e aumentar o desempenho cognitivo no dia seguinte.

No geral, 4,9% dos participantes em 2015 e 13,7% dos participantes em 2017 afirmaram ter feito uso de drogas de prescrição ou ilegais nos últimos 12 meses para “aprimoramento cognitivo farmacológico” (PCE). De acordo com o artigo, este aumento “de 180% na comparação entre os anos não pode ser explicado apenas pela amostragem ou pelas diferentes formulações nas perguntas entre as pesquisas de 2015 e 2017”.

Os Estados Unidos seguem como o país com maior uso dessas substâncias entre indivíduos saudáveis. Em 2015, o índice entre os participantes era de 18,7%. Em 2017, esteve em 21,6%. Mas as maiores altas aconteceram na Europa. Na França, por exemplo, a porcentagem de uso foi de 3% em 2015 para 16% em 2017. No Reino Unido, o número subiu de 5% para 23%.

Verdadeiro desafio médico e ético em todo o mundo, as drogas cognitivas estão disponíveis pela internet e são legais em alguns países, como os Estados Unidos. Enquanto a legislação europeia proíbe uma ampla família de anfetaminas, no Brasil a Anvisa estabeleceu em 2011 a proibição de boa parte das metanfetaminas.

Em 2017, porém, substâncias como anfepramona, femproporex e mazindol, anfetamínicos emagrecedores, foram liberadas pelo Congresso para venda sob prescrição. Boa parte dessas drogas também pode ser comprada online.

 

Fonte: Nexo Jornal