Mais exigente, menos eficiente. Por que?

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Publicamos uma pesquisa realizada pela Vigitel (Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas) confirmando que o número de adultos que dirige após ingestão de bebida alcoólica aumentou 16% em todo o país entre 2011 e 2017.

Curiosamente, poucos sabem que a Lei Seca brasileira tem tolerância zero para concentração de álcool no sangue de qualquer motorista, o que a coloca entre as mais rígidas do mundo, ao lado de países, como Hungria, Romênia, Eslováquia, República Tcheca, Marrocos, Paraguai e Uruguai – sem contar os países que baniram o álcool por motivos religiosos.

Nossa regra é mais exigente que a recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) de limites menores que 0,5 g/L no sangue para motoristas em geral e abaixo de 0,2 g/L para jovens condutores (até 21 anos).

No último levantamento feito pela OMS e divulgado em 2015, apenas 34 países cumpriam essas duas recomendações, sendo 21 deles na Europa. No entanto, a maioria dos países europeus têm leis mais permissivas que as brasileiras.

A Alemanha, por exemplo, permite concentração abaixo de 0,5 g/L no sangue e 0,25 mg/L no bafômetro, enquanto a Inglaterra tem limite de 0,8 g/L no sangue e 0,35 mg/L no ar expelido. No Brasil, há apenas uma tolerância para registros abaixo de 0,05 mg/L no bafômetro por causa de uma margem de erro do aparelho, mas no exame de sangue não há limite algum.

Ainda assim, no entanto, a Lei Seca tinha brechas que foram reduzidas em 2012 e 2016, ano em que todas as multas subiram de valor, aumentando o peso da punição.

Agora, de acordo com o artigo 165 do CTB, o condutor flagrado dirigindo sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência comete uma infração gravíssima cujo valor pode chegar a R$ 2.934,70.

Além da punição no bolso, o motorista tem a CNH recolhida e responde a um processo administrativo que leva a suspensão do direito de dirigir por 12 meses – depois de todos os recursos possíveis. O veículo também é retido até que outro condutor habilitado se apresente. Caso o motorista seja flagrado novamente dirigindo embriagado dentro de 1 ano, a multa será dobrada, para R$ 5.869,40, e a CNH pode ser cassada.

E tem mais: o motorista que for flagrado com concentração igual ou superior a 0,3 mg de álcool por litro de ar ou de 0,6 g/L no sangue pode ser multado pelo artigo 165 e também enquadrado em crime de trânsito (artigo 306). Se for constatada a embriaguez nestes níveis, o condutor é levado a uma delegacia, onde é aberto um inquérito e o Ministério Público decide se inicia um processo judicial – na Inglaterra, um motorista com 0,6 g/L no sangue ou 0,34 mg/L no bafômetro não recebe nem multa.

Se o motorista embriagado se envolver em acidente com vítima (homicídio culposo) e for pego em flagrante, ele será levado a uma delegacia, mas uma fiança só pode ser estipulada por um juiz durante audiência. Desse modo, a liberação não é imediata. A lei define pena de 5 a 8 anos de prisão, mas ainda pode ser convertida em pagamento de cestas básicas ou trabalho comunitário ao final do processo. Já nos casos de lesão grave (feridos sem intenção), a punição é de 2 a 5 anos. Nestes casos, o delegado também não poderá conceder fiança.

Infelizmente, tudo isso não deixa o Brasil em melhor situação no que diz respeito à segurança viária, conforme já vimos aqui. O Reino Unido registrou em 2013 uma das menores taxas de mortes em acidentes no mundo (2,9 mortes por 100 mil habitantes) e a Alemanha não ficou muito longe, com 4,3, enquanto nosso país estava neste mesmo ano ao lado de países como Botsuana, Argélia e Namíbia, com 23,4 mortes a cada 100 mil habitantes. Em 2017, este número foi de 15,7, segundo dados preliminares do Ministério da Saúde e do IBGE.

A República Tcheca, por exemplo, proíbe qualquer índice de álcool desde 1953 e faz testes de bafômetro em todos os acidentes, mas viu uma alta nas mortes envolvendo motoristas bêbados em 2009 e 2010. Resultado: um aumento nas fiscalizações aleatórias a partir de 2010, acompanhado de campanhas educativas focadas em jovens condutores.

A Finlândia, primeiro país da Europa a ter uma legislação que obriga motoristas reincidentes a usar um carro com bafômetro integrado, tem limite de 0,5 g/l de álcool no sangue, mas é um dos países mais ativos em fiscalizações. Em 2010, a polícia finlandesa fez testes com bafômetro 429 vezes para cada 1 mil habitantes. Ou seja, quase metade da população passou por uma blitz naquele ano.

Suécia, Dinamarca e Bélgica também já possuem regras para o chamado bafômetro integrado: para ligar o carro, o motorista precisa soprar o aparelho. O veículo não liga caso seja constatada concentração de álcool acima do permitido. A Volvo oferece o aparelho como acessório na Europa desde 2002 e já integrado a veículos comerciais desde 2008. No Brasil, ainda não há previsão para adotar o sistema. A Fiat prometeu lançar em 2016 uma chave com bafômetro, mas o projeto nunca saiu do papel.

Enquanto isso, a empresa Uber, aplicativo de transporte privado, está desenvolvendo uma inteligência artificial capaz de ler o padrão de comportamento do usuário – e, possivelmente, identificar passageiros alcoolizados.  A ideia é que, neste caso, o sistema possa tomar a liberdade de encaminhar a corrida para um motorista que tenha experiência e saiba lidar com situações adversas.

 

Fonte: G1