A gigante recua

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Em 1996, a Purdue Pharma, uma empresa privada fundada por médicos, lançou o OxyContin, um analgésico com liberação prolongada de oxicodona, um opiáceo usado originalmente para aliviar dores causadas pelo câncer ou no pós-operatório.

Ao contrário dos analgésicos comuns como dipirona ou paracetamol, os opiáceos são medicamentos muito potentes e, por isso, naquela época, o consenso era de que apenas pacientes com dores muito fortes deveriam usar esse tipo de analgésico devido ao alto risco de dependência.

Baseando-se numa carta publicada no New England Journal of Medicine, afirmando que menos de 1% dos pacientes hospitalizados que faziam uso de curto prazo de opiáceos ficavam viciados, a Purdue, tendo como público alvo os estadunidenses que sofrem com dores crônicas, lançou uma campanha de marketing indicando o remédio para dor de cabeça, nas costas e até nas juntas.

Acontece que a tal carta não era embasada por nenhuma pesquisa. E assim, em um golpe de marketing da indústria farmacêutica, teve início a epidemia de opiáceos nos Estados Unidos: somente entre 2010 e 2014 o número de mortes por overdose dessas substâncias aumentou 248%.

Em 2001, o OxyContin já vendia mais que Viagra.

Como vimos aqui, em 2007 a Purdue foi alvo de um processo por propaganda enganosa,  se declarou culpada de enganar o público sobre o risco de vício em OxyContin e foi obrigada a pagar uma multa de mais de US$ 600 milhões, um dos maiores acordos farmacêuticos da história dos Estados Unidos.

Semana passada a Purdue Pharma voltou ao noticiário. Desta vez ela foi citada num relatório de uma senadora democrata do Missouri, Claire McCaskil, como sendo uma das empresas farmacêuticas que alegadamente contribui para uma “epidemia de mortes” relacionadas com o consumo de medicamentos opiáceos. A empresa aproveitou para revelar através do Twitter e na sua página oficial, que deixará de promover, junto dos médicos, o popular analgésico OxyContin.

A empresa farmacêutica, uma das maiores e mais poderosas da América, garante que reestruturou e reduziu “significativamente a nossa operação comercial, e os nossos representantes de vendas já não promoverão os opioides junto dos médicos prescritores”.

De acordo com o relatório da senadora Claire, as empresas farmacêuticas que vendem alguns dos analgésicos de prescrição mais lucrativos terão contribuído para uma “epidemia de mortes” na América, relacionadas com o consumo de medicamentos opiáceos. Ainda segundo ela, a prescrição excessiva de medicamentos para a dor teria provocado o vício de milhões de americanos, assim como uma explosão de overdoses fatais, entre as quais as dos músicos Prince e Tom Petty.

O documento resulta de uma investigação denunciando que, entre 2012 e 2017, as empresas teriam canalizado dez milhões de dólares para grupos de defesa, lobistas e para médicos que prescrevem o uso deste tipo de medicamentos, de acordo o relatório, que também denuncia “a capacidade da indústria de opiáceos de moldar a opinião pública” e levanta questões sobre o seu papel na “epidemia de overdoses”, que terá custado “centenas de milhares de vidas americanas” nos últimos anos.

As conclusões do relatório podem reforçar centenas de ações judiciais destinadas a responsabilizar as farmacêuticas que comercializam analgésicos opioides. Segundo os acusadores, 340 mil americanos morreram desde 2000 por problemas relacionados com o consumo de medicamentos deste gênero.

Dez estados e dezenas de cidades e condados americanos processaram empresas como a Purdue, Endo International e Janssen Pharmaceuticals, da Johnson & Johnson, acusando-as de desencadear a epidemia ao minimizarem os riscos de dependência e overdose de analgésicos como OxyContin e Percocet. Além disso, a indústria farmacêutica também é acusada de “ignorar provas” que mostravam que o uso de medicamentos deste gênero aumenta o risco de abstinência, abuso e dependência.

Em outubro, o presidente Donald Trump descreveu a crise de opioides como uma emergência nacional de saúde pública. Estima-se que 2,4 milhões de americanos sejam viciados em opioides, narcóticos que incluem tanto os analgésicos receitados como a heroína.

 

Fonte: RTP Notícias