A cracolândia em números

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No dia 21 de maio de 2017 as polícias Civil e Militar de São Paulo realizaram uma ação com mais de 900 agentes na região do centro da capital paulista conhecida como cracolândia. Após a operação, o prefeito da cidade, João Dória (PSDB), afirmou que “a cracolândia acabou” quando, na verdade, centenas de usuários de drogas apenas deixaram o local para se reunir em regiões próximas.

Anunciar o fim da cracolândia não é novidade – outras gestões anteriores já haviam feito o mesmo. Novidade mesmo é o resultado de uma pesquisa encomendada pela Coordenadoria de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo e executado pelo Pnud (Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas) antes da grande operação policial no local no final de maio. Segundo este levantamento, mais de 30% dos frequentadores da cracolândia não usam crack – e 13% nem ao menos bebem.

Duas pesquisas foram realizadas na cracolândia entre 2016 e 2017. Além de trazer informações sobre o uso de drogas, elas apontaram outras vulnerabilidades de quem é atraído ao local, como nível educacional baixo, ausência de fontes de renda, de moradia e de redes de apoio social, como a familiar.

Dois pesquisadores usando um contador manual portátil realizaram a contagem de pessoas na cracolândia. Em 2016 eram 709 pessoas. Em 2017, 1861 – um aumento de 162%. 139 pessoas foram entrevistadas (exceto as agitadas ou com comportamento agressivo, no pico do efeito do crack ou usando a droga). Destas, cerca de 33,5% não usam crack enquanto 20,6% usam tanto crack quanto álcool e cocaína.

63,3% do total dos frequentadores são formados por homens, mas houve um forte aumento na proporção de mulheres durante o período das duas pesquisas. Em 2016 eram 16,8% contra 34,5% em 2017. De acordo com o estudo, este aumento está ligado a cooptação de mulheres por parte do tráfico para consumo e exploração da droga, além da prostituição e ao abuso sexual de crianças, adolescentes e mulheres. 44% destas mulheres tem histórico de abuso físico ou sexual na infância e mais da metade das que engravidaram na cracolândia nunca quiseram fazer exame pré-natal. No período da pesquisa, 14,3% das mulheres estavam grávidas, sendo que 21% admitiram já ter praticado aborto.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, a primeira menção ao termo cracolândia é de agosto de 1995. Naquela época, o então governador Mário Covas (PSDB) criou a Delegacia de Repressão ao Crack em resposta à droga que ganhava espaço no centro da capital. Mas a cracolândia não é frequentada apenas por quem é da cidade: 12% dos frequentadores vêm do interior do Estado, 31% de outros Estados e ainda tem 3% vindos de outros países. A maioria vive em situação de rua e troca sexo por drogas ou dinheiro. Cerca de 6% têm HIV, bem acima da proporção de 0,39% encontrada na população brasileira em geral.

Quase metade destas pessoas não chegou a completar o primário e 10,4% têm alguma deficiência física. Mais da metade dos frequentadores não tem nenhum tipo de renda e uma minoria exerce atividades remuneradas enquanto 22,7% dependem de programas de transferência, como o Bolsa Família.

Entre o total de frequentadores, 33% viveu por pelo menos um mês na rua antes de aderir às drogas. O resto começou a usá-las antes mesmo de viver na rua. A maior parte das pessoas tinha vivido na própria casa ou na de familiares antes de ir para a cracolândia. E apesar de 57% dos participantes afirmar que recorreria a suas famílias, 44,7% sequer mantêm contato com elas e 42% dizem não ter a quem recorrer.

Para analistas, o que torna o problema da cracolândia de difícil solução é, justamente, este fluxo de pessoas com problemas sociais ligados não só ao crack e que se forma de maneira constante no centro da capital, região com mais facilidade para ganhar dinheiro através de esmolas ou com pequenos trabalhos. Além disso, existe a infraestrutura de apoio de ONGs ou do Estado, como centros de acolhimento, hospitais e assistência social – quase 36% dos frequentadores contam com estes serviços sociais, ainda de acordo com a pesquisa.

 

Fontes: Estadão e Folha de São Paulo